Presidente da Associação Nacional de Jornais, Marcelo Rech diz que há potencial para que o progressivo aumento de assinaturas digitais continue
Mesmo com os desafios de trabalho, deslocamento e de negócios trazidos na esteira da pandemia, somados à árdua tarefa de conquistar e manter leitores em um processo contínuo de mudança de hábitos de consumo de meios, alguns dos maiores jornais do País conseguiram ampliar sua média de circulação em 2020 em comparação com o ano anterior.
A Folha de S.Paulo, que lidera o ranking de circulação total (cálculo que engloba as assinaturas impressas e digitais), tinha, em 2019, uma média de circulação de 328.438 exemplares, de acordo com o Instituto Verificador de Comunicação (IVC). Já considerando a média dos 12 meses de 2020, o número subiu para 337.854 exemplares. Segundo colocado no ranking, O Globo também teve um crescimento no período: em 2019, o veículo tinha circulação média de 326.841 exemplares. No ano passado, a média foi de 332.175 exemplares. No caso dos dois veículos, a alta na circulação é atribuída ao crescimento das edições digitais. Veja, abaixo, a tabela do desempenho da circulação dos maiores jornais brasileiros em 2020:
Na visão de Marcelo Rech, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), estamos assistindo a um círculo virtuoso. Veja, abaixo, a entrevista:
Marcelo Rech é presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) (Crédito: Divulgação)
M&M: Dados do IVC mostram o crescimento das assinaturas digitais de alguns dos maiores jornais do País, como Folha, O Globo, Estadão e Valor Econômico. Essa é uma tendência que já vinha se mostrando há algum tempo. Em sua opinião, esses grandes veículos ainda têm potencial para ampliar a audiência digital?
Marcelo Rech: Sem dúvida, e não apenas nos veículos maiores. Estamos assistindo um progressivo aumento de assinaturas digitais em jornais, de uma forma geral, conforme a estratégia de cada veículo. Em alguns momentos, essa estratégia pode ser acelerada por meio de ofertas, produto e marketing, em outros gerida de forma a extrair o máximo da combinação papel/digital. Depende muito das condições locais, e dos planos estratégicos de cada veículo. Mas a tendência, naturalmente, é de ampliação. Observo que agora em 2021 se completam 10 anos do paywall poroso do The New York Times, que, embora não tenha sido o primeiro, mostrou um caminho sustentado de crescimento. Nesta década, os jornais aprenderam muito com suas experiências e de outros. Agora, esse aprendizado começa a gerar seus frutos – e o principal deles é a manutenção da relevância dos jornais pela sua audiência combinada.
Com a crescente noção de que segurança de marca é chave para a reputação e sobrevivência de empresas, deverá haver maior atenção dos anunciantes com os veículos e profissionais que estão no ramo da busca da verdade e da pluralidade
M&M: A pandemia impulsionou o consumo por conteúdo jornalístico, de maneira geral, no ano passado. Em sua opinião, o período também colaborou para o aumento do interesse pelas assinaturas de jornais?
Rech: Esse foi um efeito colateral não esperado, como a própria pandemia, mas compreensível pelas circunstâncias. Informação de qualidade e exclusiva, o que inclui pluralidade de opiniões, é um bem escasso. Em uma crise de dimensões globais que afeta a vida de todos e cuja história é escrita no dia a dia, o papel do jornalismo e dos jornais é decisivo. Eles se tornam uma rota de navegação nestes mares conturbados pela desinformação e pela polarização política. Informação e credibilidade valem, literalmente, vidas. Não há bem maior do que este, e de uma forma geral o jornalismo está correspondendo à altura do desafio.
M&M: A circulação impressa, de forma geral, segue em ritmo de queda, em todos os grandes veículos do mercado. Em sua opinião, esse movimento é irreversível? Há como fazer parte dessa base ainda existente de assinantes do impresso migrarem para o digital?
Rech: As versões impressas seguirão existindo enquanto houver leitores dispostos a pagar pela conveniência e sensações proporcionadas pelas assinaturas e exemplares em papel. Embora cada jornal defina sua própria estratégia, de acordo com o ecossistema social, cultural e econômico a que se dirige, a tendência é o uso conjugado de diferentes plataformas e linguagens para se alcançar e engajar o maior número de leitores. A complementaridade é a palavra de ordem que veio para ficar, e se define pela combinação de conteúdos e diferentes formas de distribuição sob uma mesma marca. Até porque lidam com a disrupção desde os primórdios da revolução digital, jornais estão na vanguarda do domínio e aplicação dos conceitos de conteúdos e linguagens complementares. Estimular a migração digital pode ser positivo para um jornal, mas não para outro. A fórmula tem de ser definida de acordo com cada timing e características de mercado.
M&M: Quais são as medidas e ações que os veículos podem criar para atrair mais audiência para seus produtos digitais – e, por consequência, mais anunciantes para o meio digital, também.
Rech: Os jornais não estão na batalha da audiência pela audiência. Conteúdos apelativos, bizarros, conspiratórios e falsos, por exemplo, sugam muita audiência digital, mas qual marca gosta de se ver vinculada a eles? Por isso, os jornais se focam em audiências de qualidade, diferenciadas, que se assentam na relação de confiança criada pelo título, muitas vezes ao longo de décadas, e que se estendem aos anunciantes e marcas presentes no veículo. Com a crescente noção de que segurança de marca é chave para a reputação e sobrevivência de empresas, deverá haver maior atenção dos anunciantes com os veículos e profissionais que estão no ramo da busca da verdade e da pluralidade, como é o caso da imprensa profissional e particularmente dos jornais. A tendência do consumidor é se exigir mais legitimidade e confiança nas relações comerciais. Muitos anúncios mascarados, portanto, como se vê em redes sociais, tendem a perder espaço para publicidade aberta e franca nas quais não se não tenta iludir o público com um conteúdo que não expressa algo espontâneo e legitimo. Vejo o mundo pós-pandemia como um mundo que valoriza a credibilidade, a verdade, a legitimidade e o equilíbrio.
Os ventos, de certa forma, já começam a mudar em muitos países, com o aperto regulatório nas redes e plataformas que se valem a polarização, das bolhas, da desinformação e da extração de dados pessoais sem fim para faturar rios de dinheiro.
Fonte: Meio&Mensagem