Mais um impresso deixa de circular no Brasil

Quem insistir com a fórmula surrada de “publicar notícias” estará correndo em direção ao clube dos sem papel

Diário do Nordeste, líder em circulação no Ceará, abandonou as rotativas. O jornal, que chegou perto de 50 mil exemplares por dia de circulação, há 15 anos, agora amargava números bastante mais tímidos, abaixo dos 15 mil exemplares diários. Sem estar preparado para enfrentar um mercado que, certamente ainda vai encolher, o DN decidiu abandonar o barco dos impressos.

Há uma série de erros nesse jogo, que faz com que o Diário seja apenas mais um a entrar no grupo dos sem-impresso, onde já estão marcas importantes do cenário nacional como Gazeta do Povo (Paraná), Diário Catarinense (Santa Catarina), A Gazeta (Espírito Santo) e A Cidade (Ribeirão Preto, SP), entre outros. Essa lista, certamente, vai crescer até o fim do ano.

Diferentemente do que alega, o DN não está interrompendo a circulação do impresso para “aumentar a oferta digital”, como informou aos leitores. A interrupção se deve a falhas de gestão, equívocos no conhecimento da audiência, dificuldades em entender que o mundo mudou, a sociedade é outra e as necessidades informativas estão bem diferentes. Quem quiser manter a estratégia editorial em 2021 como se estivesse em 2010 vai entrar para esse mesmo clube.

A dificuldade em se manter a operação diária de um impresso não é exclusividade do Brasil. Até nos Estados Unidos, o fechamento de marcas tradicionais virou realidade. Em janeiro, no mesmo dia, os dois diários de Salt Lake City anunciaram o fim da edição em papel. The Salt Lake Tribune e o Deseret News seguem apenas no digital. Mas outras marcas conseguiram se reinventar a partir do entendimento da audiência. E de não ter medo de mudar.

O espanhol Diari de Sabadell, por exemplo, era um moribundo jornal centenário até 2017, quando uma empresa ousada (Novapress) o comprou. Na periferia de Barcelona, parecia impossível recuperar a marca, tamanha a concorrência e os novos hábitos da audiência. O Diari fez aquilo que parecia óbvio: bom jornalismo, olhando para a cidade (de pouco mais de 200 mil habitantes) e sua gente. Edições impressas alegres, que dão orgulho ao cidadão. Resultado: já em 2020, a empresa fechou no azul, apesar da pandemia. E tudo deu tão certo que a Novapress acaba de comprar o também centenário Diari de Terrassa, cidade vizinha. Ou seja, mais uma reforma criativa, valorizando o bom jornalismo, vem aí.

Naquele mesmo 2017, o Diário do Nordeste bem que tentou mudar — mas errou a mão. Reduziu o formato, de standard a tabloide, lançou um novo (e muito bem elaborado) projeto gráfico, mas esqueceu-se de mexer no mais importante: o modelo editorial. Houve um erro de avaliação, que agora paga seu preço. Era preciso reavaliar o papel do impresso na cesta de produtos do Grupo. Quando o digital assume funções que, historicamente, pertencem ao impresso, o posicionamento de um jornal de papel deve necessariamente ser outro.

O ano de 2021 recém começou. Quando se descobre que nenhum jornal brasileiro tem hoje mais de 100 mil exemplares por dia de circulação, é de se preocupar. Os três jornalões, por exemplo, apresentam circulações tímidas no impresso: Estadão, 80 mil, O Globo, 78 mil, e Folha SP, 65 mil, segundo o IVC de dezembro/2020. Ou seja, é mais do que necessário entender com urgência a nova função dos impressos – antes que morram por falta de leitores. Quem insistir com a fórmula surrada de “publicar notícias” estará correndo em direção ao clube dos sem papel.

O papel tem sentido, desde que se entenda o porquê de sua existência. A leitura relaxada e cômoda de uma publicação impressa exige conteúdos que transmitam essa sensação de prazer, e não tantas notícias inconvenientes. Isso já está nos meios digitais.

É preciso repensar a fórmula do jornal de papel. Ou assistir a agonia.

 Fonte: Meio&Mensagem

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