Desafio desses novos tempos é encontrar o equilíbrio para que a imprensa continue exercendo seu indispensável papel
15 de julho de 2021
Nos últimos anos, o acesso à informação por canais digitais mudou o hábito de leitura. Acordamos nos informando pelo celular e, durante o dia, por várias vezes, continuamos consumindo conteúdo jornalístico pelas telas online.
Se o Google ou o Facebook estarão presentes na vida das pessoas daqui a cem anos, não sei, mas não tenho dúvida de que o conteúdo jornalístico estará disponível, provavelmente, por meio de tecnologia que conecte a experiência de se informar com a imprensa, seja por texto, vídeo ou áudio.
Porém, a reflexão sobre a vinculação da informação com a tecnologia não deve ser pauta apenas para o futuro, mas, também, para 2021, diante dos efeitos que essa questão traz ao cenário econômico, publicitário e à própria democracia.
As big techs – no caso, Google e Facebook – são tecnologias muito importantes em nossas vidas, pois trazem acesso, praticidade e conexões sociais. No entanto, com essa concentração em dois players, isso acabou desequilibrando o tabuleiro da publicidade online, já que as duas companhias concentram 81% do investimento publicitário digital no mundo.
Dados publicados pelo jornal britânico The Guardian mostram que, de cada US$ 100 gastos com propaganda online no mundo, US$ 53 vão para o Google e US$ 28 para o Facebook, sendo que apenas os US$ 19 restantes são repartidos por todos os demais. Esse desequilíbrio, portanto, afeta toda a cadeia econômica do setor digital.
Isso acontece porque as plataformas digitais coletam dados dos leitores de notícias e permitem que os anunciantes utilizem essas informações para alcançar o consumidor certo. Essa situação implicou na redução do valor do espaço publicitário nos sites das empresas de jornalismo.
Nos EUA, infelizmente, com o duopólio de Google e Facebook, mais de 1,8 mil jornais locais foram à falência. Quem perde com isso, no entanto, somos todos nós, diante do “deserto de notícias” que se alastra, pois uma região sem imprensa é uma região abandonada, sem fiscalização, sem voz.
Para que isso não aconteça, globalmente, alguns países vêm se movimentando para criar leis que buscam equilibrar esse tabuleiro, como a Austrália, que aprovou, em 25 de fevereiro deste ano, uma lei que obriga as grandes empresas de tecnologia da internet a pagar os veículos de mídia do país pela publicação de conteúdo noticioso profissional em suas plataformas. Essa legislação é inédita no mundo e vem sendo vista como um teste para melhor controlar as empresas de tecnologia.
Nos EUA, a Microsoft, umas das maiores empresas de tecnologia do mundo, está apoiando o novo projeto de lei que prevê a negociação coletiva de empresas de mídia com gigantes de tecnologia, como Google e Facebook.
Em audiência realizada pelo Subcomitê Antitruste da Câmara, Brad Smith, presidente da Microsoft, emergiu como voz representante da indústria tech a favor da mudança legislativa. Isso porque a receita de anúncios em jornais despencou de US$ 49,4 bilhões, em 2005, para US$ 14,3 bilhões, em 2018, disse Smith, enquanto a receita de anúncios no Google saltou, de US$ 6,1 bilhões para US$ 116 bilhões. Em suas palavras: “Mesmo que as notícias ajudem a alimentar os mecanismos de busca, as organizações de notícias frequentemente não são compensadas ou, na melhor das hipóteses, subcompensadas por seu uso. Os problemas que afligem o jornalismo hoje são causados em parte por uma falta fundamental de concorrência nos mercados de pesquisa e tecnologia de anúncios controlados pelo Google”, conforme divulgado pela Agência O Globo.
Em outubro, o reportado subcomitê – que vem preparando o terreno para a criação de leis antitruste mais fortes –, liderado pelo deputado David Cicilline, democrata de Rhode Island, EUA, divulgou os resultados de uma investigação de 16 meses sobre o poder das empresas Amazon, Apple, Facebook e Google. O relatório acusou as empresas de comportamento monopolista.
Uma iniciativa que promete aproximar e criar uma boa relação entre as empresas jornalísticas e o Google é o Google News Showcase, que permite às empresas jornalísticas empacotar e exibir notícias em serviços como Google News e Google Destaques, recebendo por isso. Lançado no ano passado, inicialmente no Brasil e na Alemanha, a iniciativa prevê investimento de US$ 1 bilhão nos próximos três anos para o pagamento desses parceiros, que são escolhidos pelo próprio Google.
É em torno dessa ação que os grupos de comunicação têm concentrado seus esforços globais no front da mídia. Vicente Bagnoli, professor de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, afirma: “As plataformas digitais tornaram-se tão importantes que passaram a funcionar como serviços essenciais, que são regulados por lei, como é o caso da aviação. São serviços de utilidade pública, seja devido à gestão de conteúdo ou à transmissão de ideias, e precisam de maior controle. Não para que o Estado imponha amarras ou censura, mas para benefício da sociedade. Na origem, [o conceito de] concorrência é [sinônimo de] democracia, por isso a concentração das ‘big techs’ representa uma ameaça.”
Sob esse prisma, não podemos esquecer que Rockefeller, com suas empresas de petróleo, chegou a ter uma fortuna que representava quase 2% do PIB americano e que, em 1911, a Standart Oil Company foi obrigada pelo governo a desmembrar-se em diversas outras empresas, na tentativa de reduzir o poderio econômico e a influência de seu cartel no mundo.
O desafio desses novos tempos é encontrar o equilíbrio para que a imprensa continue exercendo seu indispensável papel, com receita suficiente para manter o negócio, contando com a participação das big techs e todas as suas soluções digitais para a sociedade.
Fonte: Meio & Mensagem / Próxima