Com queda na média da circulação em 2020, títulos têm no modelo multiplataforma e no prestígio das marcas alternativas para a retomada
Bárbara Sacchitiello
22 de março de 2021
As dificuldades do meio revista, que já eram árduas, tornaram-se ainda maiores no ano passado, quando o novo coronavírus obrigou as pessoas a passaram mais tempo em casa e fez com que os serviços considerados não essenciais interrompessem total ou parcialmente suas atividades. Como consequência, mais pessoas perderam os empregos ou viram seu poder econômico diminuir. Ao mesmo tempo, as próprias editoras também tiveram dificuldades de colocar seus veículos nas ruas. Com medidas sanitárias que alteraram o funcionamento de gráficas e também das redações, alguns títulos deixaram de circular em sua versão original.
Mesmo com a tentativa de manter o público engajado ao conteúdo e, também, de segurar as receitas publicitárias, o meio revista teve um 2020 de muita dificuldade. A circulação média das grandes publicações do País sofreu queda de acordo com os dados do Instituto Verificador de Comunicação (IVC). A Veja da editora Abril – a maior revista do País em termos de circulação – encerrou 2020 com uma média de 261.272 exemplares (52% a menos do que tinha em dezembro de 2019, quando sua circulação média alcançava a marca de 546.287 publicações.
Esses dados do IVC consideram tanto as revistas impressas quanto as assinaturas digitais, que também são oferecidas pelas editoras. Entre as publicações de maior circulação do ranking, é possível notar que a retração afetou todos os títulos, tanto os de notícias semanais, como Veja e Época, como publicações segmentadas, como Saúde e Quatro Rodas.
Na visão da Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner), os desafios impostos no ano passado aceleram uma série de transformações pelas quais o meio já estava passado em meio à disrupção digital. Diante dos desafios que continuam se apresentando em 2021, Rafael Menin Soriano, presidente da Aner, crê que a vocação segmentada das revistas continuará capaz de criar vínculos com os leitores. Veja a entrevista:
Meio & Mensagem: O segmento de revistas, de forma geral, já vinha enfrentando um cenário bastante desafiador nos últimos anos. De que forma a pandemia, no entanto, acabou colaborando para tornar ainda mais desafiador esse contexto?
Rafael Soriano: Assim como a maior parte dos setores da economia mundial, as revistas enfrentaram muitos desafios em 2020 por conta da pandemia. Na prática e pelas características do nosso mercado, esses desafios aceleraram uma série de transformações que já estavam em andamento em meio à chamada disrupção digital. Em que pese todas as dificuldades, as editoras associadas à ANER conseguiram se reinventar e se posicionar de forma mais próxima e útil aos seus leitores.
M&M: Os grandes títulos brasileiros registraram uma queda na circulação, em média, em 2020. Qual seria a alternativa ou forma de os publishers tentarem interromper esse ritmo de queda
Soriano: Em primeiro lugar, é sempre importante não falarmos de circulação olhando apenas para o impresso. Se avaliarmos a audiência das revistas em seus formatos digitais (com acesso mais democrático e sem grandes barreiras logísticas que o nosso país de proporções continentais impõe) e também o engajamento que os títulos geram nas redes sociais veremos que a audiência das revistas, como um todo, cresce. Portanto, índices de queda de circulação impressa podem não representar a realidade, uma vez que o meio digital é cada vez mais dinâmico e versátil. Sabemos que, não é de hoje, a circulação impressa vai em direção a uma tiragem mais reduzida, mas nem por isso o meio papel perde importância.
M&M: De que forma as editoras vêm procurando diversificar as fontes de receitas para conseguir atrair mais verbas com seus títulos além das assinaturas e vendas avulsas? Como esse trabalho poderia ser melhor desenvolvido, na visão da ANER?
Soriano: As dificuldades impostas pela pandemia nos obrigaram a fazer mais e melhor. A necessidade de buscar receitas além das assinaturas e anúncios digitais e impressos é evidente. Por isso, e para oferecer um ainda melhor jornalismo, muitas publicações aprofundaram suas narrativas com mais oferta de conteúdo digital em sites ou aplicativos e em podcasts, cuja audiência vem surpreendendo. As revistas também se adaptaram rapidamente ao necessário isolamento social e investiram com sucesso em eventos virtuais, muitas vezes com até parcerias até então inéditas. Muitas das publicações também passaram a promover com mais profundidade iniciativas educativas, em vários níveis.
M&M: A monetização no ambiente digital ainda é um desafio para as marcas jornalísticas. Como os publishers vem procurando desenvolver soluções de publicidade para conseguir tornar a presença digital mais rentável?
Soriano: A credibilidade das marcas e sua conexão ao referencial de conteúdo profissional e ético será sempre o caminho para a transformação do modelo. Além de todo o esforço que referi na resposta à pergunta anterior, as revistas estão fortemente empenhadas em oferecer aos leitores experiências múltiplas exclusivas. Assim como todas as organizações de notícias, as revistas disputam um mercado digital muito desigual, em que neste momento a maior parte dos investimentos fica nas mãos de grandes empresas digitais, entre mídias sociais e motores de busca. De um lado, lutamos por uma maior simetria regulatória para todas as mídias, mas as revistas também efetivam parcerias com empresas de tecnologia nos casos em que há justa divisão de receitas. Como disse, o maior bem das revistas é, sem dúvida, a nossa credibilidade — de quem pratica jornalismo profissional comprometido com a verdade. É essa credibilidade que dá mais valor às marcas anunciantes, que têm a garantia de estarem associados ao jornalismo profissional comprometido com a verdade.
M&M: Quais são as expectativas para o setor em 2021?
Soriano: O ano de 2021 será tão desafiador quanto 2020, uma vez que a pandemia não será debelada tão cedo. Por isso, acreditamos que as experiências que fizemos em 2020 ganharão ainda mais qualidade, tanto no digital quanto no impresso. A aceleração da transformação digital imposta pela pandemia não de todo ruim, através dela as revistas estão se reinventando e esse será o caminho para a construção de modelos sustentáveis. No caso do meio papel, é importante destacar que as edições têm ganhado um novo significado, em que a produção de textos e imagens é mais sofisticada, exclusiva e especializada, contribuindo para o progresso social e econômico. O produto impresso é nossa origem e ele segue representando a expressão maior da nossa experiência, mas é importante que o mercado entenda que as revistas vão muito além de suas edições impressas. A vocação segmentada das revistas faz com que ela tenha um diálogo conectado com os públicos de nichos de forma muito assertiva, independentemente do meio através do qual essa interação ocorre.
Fonte: Meio&Mensagem